A compensação de prestações previdenciárias recebidas na via administrativa, quando há a concessão judicial de outro benefício não acumulável, é um tema complexo e relevante no direito previdenciário. A questão foi abordada recentemente pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento de recursos repetitivos, consolidando o entendimento sobre como deve ser feito o cálculo de compensação e os limites a serem observados para proteger os direitos do segurado.
Neste artigo, vamos explorar o conceito de compensação previdenciária, os fundamentos legais, e como a decisão do STJ afeta a aplicação do art. 124 da Lei 8.213/91 no contexto administrativo e judicial.
O Que é Compensação de Prestações Previdenciárias?
A compensação de prestações previdenciárias ocorre quando um segurado recebe um benefício administrativamente e, posteriormente, obtém judicialmente a concessão de outro benefício, que não é acumulável com o anterior. Nesses casos, os valores pagos pelo benefício recebido administrativamente são descontados dos valores devidos pelo novo benefício concedido judicialmente.
O objetivo da compensação é evitar que o segurado acumule benefícios previdenciários incompatíveis, o que é vedado pelo art. 124 da Lei 8.213/91, que dispõe sobre os benefícios previdenciários e a não cumulatividade entre alguns deles.
Art. 124 da Lei 8.213/91: Vedação de Acumulação de Benefícios
O art. 124 da Lei 8.213/91 estabelece que não é permitido o recebimento conjunto de mais de um benefício previdenciário do mesmo regime, salvo nas exceções previstas em lei. Entre os benefícios que não podem ser acumulados estão:
- Aposentadoria e auxílio-doença.
- Aposentadoria e pensão por morte (salvo em casos específicos).
- Auxílio-doença e auxílio-acidente.
Quando o segurado recebe um benefício indevidamente ou acumula benefícios incompatíveis, o valor pago pode ser compensado na concessão de outro benefício a que ele tem direito.
O Que Diz o STJ sobre a Compensação de Benefícios Não Acumuláveis?
A questão da compensação de prestações previdenciárias recebidas na via administrativa foi recentemente discutida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, por meio do julgamento de recursos repetitivos (Tema 1207), estabeleceu diretrizes claras sobre como essa compensação deve ser feita.
No julgamento dos recursos REsp 2.039.614-PR, REsp 2.039.616-PR e REsp 2.045.596-RS, a 1ª Seção do STJ consolidou o entendimento de que a compensação de benefícios não acumuláveis deve ser feita mês a mês, no limite, para cada competência, do valor correspondente ao título judicial.
Fundamentos da Decisão do STJ
O STJ, ao julgar o Tema 1207, esclareceu que:
- Compensação Mês a Mês: A compensação deve ser feita mensalmente, considerando o valor recebido administrativamente em relação ao benefício judicialmente concedido.
- Limite de Cada Competência: O valor compensado deve ser limitado ao montante devido em cada competência (mês), de modo que o segurado não seja penalizado com um valor negativo.
- Proibição de Valor Negativo ou Restituição Indevida: Não pode ser apurado valor negativo mensal ou final contra o segurado, de modo a evitar a execução invertida (situação em que o segurado teria que restituir valores ao INSS) ou a devolução de valores que ele já tenha recebido de boa-fé.
Execução Invertida e Restituição Indevida
O conceito de execução invertida surge quando o INSS, ao calcular a compensação, apura que o segurado recebeu mais do que deveria e, portanto, tenta cobrar a devolução desses valores. A decisão do STJ impede essa prática, protegendo o segurado de ser obrigado a restituir valores que foram pagos enquanto ele acreditava estar recebendo o benefício corretamente.
A orientação é que a compensação seja realizada de forma equilibrada, sem gerar prejuízo ao segurado, e que não se exija a devolução de valores quando não há dolo ou má-fé por parte do beneficiário.
Exemplos Práticos de Compensação de Benefícios Previdenciários
Exemplo 1: Segurado Recebeu Auxílio-Doença e Consegue Judicialmente Aposentadoria por Invalidez
Um segurado recebeu administrativamente o auxílio-doença por 12 meses, mas posteriormente, em ação judicial, conseguiu a concessão da aposentadoria por invalidez, com efeitos retroativos ao início do pagamento do auxílio-doença.
Neste caso:
- Os valores recebidos a título de auxílio-doença serão compensados com os valores devidos da aposentadoria por invalidez.
- A compensação deve ser feita mês a mês, e se o valor da aposentadoria por invalidez for superior ao do auxílio-doença, o segurado terá direito à diferença.
- Não haverá devolução de valores por parte do segurado, mesmo que ele tenha recebido mais em algum período, desde que não haja má-fé.
Exemplo 2: Segurado Recebeu Auxílio-Acidente e Consegue Judicialmente Aposentadoria
Um segurado recebe auxílio-acidente e, em ação judicial, consegue a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, benefícios que não são cumuláveis.
Neste caso:
- O INSS deve compensar os valores recebidos a título de auxílio-acidente com os valores da aposentadoria.
- A compensação será realizada mensalmente, limitando-se ao valor do benefício judicial.
- Não pode ser apurado valor negativo contra o segurado, ou seja, ele não terá que devolver os valores recebidos de auxílio-acidente.
Como Funciona a Compensação na Prática?
A compensação previdenciária deve ser feita de forma justa, garantindo que o segurado não seja penalizado de forma indevida. Na prática, isso significa que:
- Cálculo Mês a Mês: O INSS fará o cálculo considerando quanto o segurado recebeu no mês pelo benefício administrativo e quanto ele teria direito no mesmo mês pelo benefício judicial. A diferença será paga ao segurado, se o benefício judicial for superior.
- Respeito ao Teto de Compensação: A compensação não pode exceder o valor que o segurado teria direito em cada mês. Por exemplo, se ele recebeu R$ 1.000 de um benefício, mas o judicial seria de R$ 1.200, ele receberá a diferença de R$ 200. Se os valores forem iguais, não há saldo a ser pago.
- Sem Restituição de Valores: Não pode ser exigido que o segurado devolva valores recebidos de boa-fé, mesmo que, após o cálculo, se constate que ele recebeu mais do que deveria em determinado período.
Procedimentos para Solicitar a Compensação de Benefícios
Quando o segurado ganha uma ação judicial que concede um benefício não acumulável com o que ele já recebia administrativamente, o INSS é responsável por realizar a compensação automaticamente. No entanto, se houver falhas no cálculo ou o segurado não concordar com os valores compensados, ele pode recorrer judicialmente.
Documentação Necessária
Para garantir que a compensação seja feita corretamente, o segurado deve fornecer todos os documentos relacionados ao benefício recebido administrativamente e à sentença judicial. Esses documentos incluem:
- Extratos de pagamento do benefício recebido administrativamente.
- Sentença judicial que concede o novo benefício.
- Cálculos feitos pelo INSS para análise e eventual impugnação, se necessário.
Importância do Apoio Jurídico
A compensação de prestações previdenciárias envolve cálculos complexos e pode gerar controvérsias quanto aos valores pagos e recebidos. Contar com um advogado especializado em direito previdenciário pode ser fundamental para garantir que o segurado não seja prejudicado e que a compensação seja realizada corretamente.
Como um Advogado Pode Ajudar?
- Análise dos Cálculos: O advogado pode revisar os cálculos de compensação realizados pelo INSS, identificando possíveis erros ou excessos.
- Recurso Judicial: Se a compensação for feita de forma incorreta ou prejudicial ao segurado, o advogado pode interpor recursos para garantir que o direito seja respeitado.
- Proteção contra Execução Invertida: O advogado garante que o segurado não seja obrigado a devolver valores indevidos, aplicando a jurisprudência do STJ sobre a não devolução de valores de boa-fé.
Conclusão
A compensação de prestações previdenciárias recebidas na via administrativa, quando há a concessão judicial de outro benefício, deve ser feita com base em critérios claros e justos, conforme estabelecido pelo STJ no julgamento do Tema 1207. O cálculo deve ser realizado mês a mês, sem penalizar o segurado com valores negativos ou execuções invertidas. É essencial que o segurado esteja bem informado sobre seus direitos e conte com o apoio de um advogado previdenciário para garantir que a compensação seja feita corretamente.